segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Recensão no jornal Expresso de 8 de Agosto de 2009

A Mão Esquerda de Deus, de Pedro Almeida Vieira, Dom Quixote

Romance - História do homem que ascendeu no reinado de D. João III à custa de burlas e falsificações.

É, em minha opinião, o romance a levar para férias. Vou na quarta visita - desta feita salteada -, apenas pelo gosto de reler determinadas passagens, e, de cada vez que o reencontro, acontece dar por mim quase incrédula com a relativamente discreta recepção ao livro desde que foi publicado. Se somos apenas distraídos ou descaradamente invejosos, pelo menos que nos sirva de lição o exemplo de Ruiz Zafón, cujo romance "A Sombra do Vento" obrigou o mercado espanhol a referir-se-lhe quando, de boca em boca, o romance excedeu as expectativas dos críticos e distribuidores. Enquanto espero que o fenómeno aconteça, abster-me-ei de contar a história, receosa de dizer de mais, mas, sobretudo, de ficar aquém dela própria.

Referirei apenas que se situa temporalmente na primeira metade do século XVI e que vai muito mais longe do que a reconstituição ficcionada sobre as pretensas confissões de Alonso Pérez de Saavedra, que teria sido núncio apostólico em Lisboa e inquisidor-geral do Reino de Portugal, no reinado de D. João III. Para além da perfeita história de amor que condimenta o romance, há todo um contexto muito rigoroso em que todas as personagens que rodeiam o protagonista são verdadeiras no sentido histórico, começando pelo seu primeiro protector, Frei Hernando de Talavera, co-governador de Granada e bispo-confessor de Isabel de Castela.

Mas não só: também são rigorosos os contornos político-sociais, em particular a sucessão ao trono após a morte da rainha e a coincidência biográfica com D. Rodrigo Ponce de Léon, duque de Arcos, de quem terá sido espião na corte de D. Fernando. Absolutamente crucial para o envolvimento do leitor na trama é a descoberta de que Saavedra vivia quase em permanência com uma luva na mão esquerda; e que essa mão era, por si só, prodigiosa: deformada, aleijada, aparentemente inútil, mas que sabia pulsar e aquecer quando em contacto com homens de coração perfeito, e gelar, enrijecer como uma pedra, em presença da malignidade. Outros dons assombrosos vivem nesta personagem trazida pela lenda, ambígua na força da sua incomensurável dor.

Luísa Mellid-Franco

domingo, 14 de junho de 2009

Entrevista ao jornal Ensino Magazine

O despertar da História

por: Eugénia Sousa (Maio de 2009)

É jornalista e escritor, licenciou-se em engenharia biofísica e foi ambientalista. Em entrevista concedida por email, Pedro Almeida Vieira fala d`A Mão Esquerda de Deus. O romance cruza a vida do andaluz Perez de Saavedra com a História de Portugal numa ficção histórica em torno do inquisidor-Geral de Portugal, uma figura intrigante que numa época de medo e convulsões usou a mentira ao serviço do bem.

O seu último romance, A Mão Esquerda de Deus tem como protagonista Alonso Perez de Saavedra, o falso núncio andaluz que no reinado de D. João III seria o primeiro Inquisidor-Geral de Portugal. Como é que Saavedra entra na sua vida?

Foi um acaso que me fez conhecer esta fábula, considerada verídica durante alguns séculos, acreditada mesmo por homens como Voltaire. Quando estava ainda a escrever o meu anterior romance, O Profeta do Castigo, sobre uma profecia em redor do terramoto, a ascensão ao poder do marquês de Pombal e a vida do jesuíta Gabriel Malagrida (último condenado à morte pela Inquisição portuguesa), deparei-me com referências a esta fábula, num livro francês do século XVIII que a transcrevia. Por essa altura, ainda descobri, por um suspeitoso acaso, uma suposta biografia espanhola deste falso núncio e, depois de a ler, surpreendido por nunca antes ter visto tal relato em livros de História convencional, pesquisei mais e constatei ter aqui uma matéria excepcional para romancear.

Ao contrário do que se poderia esperar da figura de um inquisidor, Saavedra é um homem que quer fazer o bem e se move por um amor…

Aí está a ficção do meu romance. Nas várias versões desta fábula até ao século XVIII, Saavedra surge ora como um simples falsário com intuitos de mero poder ora como alguém que assumia ter uma função divina. Mas mesmo neste segundo caso, com o objectivo de combater as heresias. Em todo o caso, ele não seria um burlão perfeito, porque na fábula original acaba por ser descoberto. Ora, isso não me interessava como romancista. Assim, recriando esta personagem, A Mão Esquerda de Deus é uma alegoria: se a burla e a mentira, por norma, surgem associadas à maldade, eu inverto este sistema, criando alguém que, para praticar o bem naquela época histórica, não usa a verdade. Usar ou dizer a verdade naquela época poderia resultar em morte. Tento também mostrar como a mentira e a dissimulação podem ser, em muitos casos, a única forma de praticar o bem. Porém, o romance também encerra uma história que mostra ser o amor (aos homens ou a uma só pessoa) que em muitos casos nos faz mover e que a vida deixa de ter sentido quando não se alcança esse propósito. Mas este romance é muito mais do que isto: pretendi também, com rigor histórico, retratar um período de grandes convulsões sociais e religiosas, questionado também a conduta da Igreja e de Deus perante a Inquisição, uma das páginas mais negras da nossa História.

Se os sentimentos são comuns a personagens do século XVI ou XXI, a forma de os exprimir mudaram. Na Mão Esquerda de Deus existiu uma preocupação especial com a linguagem?

Entre a nossa geração e as antepassadas, os vícios e as virtudes são semelhantes. Pensamos de forma similar, temos os mesmos anseios, dúvidas e desejos, apenas com a diferença de que hoje possuímos mais tecnologia e o mundo encolheu.
Aliás, renego a ideia dicotómica de que existem os romances e os romances históricos, estes apresentados quase como um subgénero da literatura. Para mim há só romances. Bem ou mal escritos, com boas ou más histórias. É bom recordar que o mais conhecido livro do nosso Nobel, José Saramago, se passa no século XVIII (Memorial do Convento) e o último no século XVI (A Viagem do Elefante). São romances ou romances históricos? Pouco importa. São excelentes romances, basta isso. Em qualquer dos casos, um romancista deve ter em conta o enquadramento da época, evitar anacronismos e ter em consideração os contextos históricos e as relações interpessoais dos períodos retratados. Infelizmente, nem sempre isso sucede nos romances ditos históricos, que em muitos casos são feitos às três pancadas e se tornam em biografias romanceadas maçudas e pouco atraentes. Mas isso também sucede com os romances de época. Escrever é fácil, escrever um mau livro ainda mais fácil é. Por tudo isto, preocupa-me apenas o cuidado nos enredos e no tipo de linguagem, algo barroca mas inteligível, para dar credibilidade e maior beleza à história. No entanto, ainda estou muito longe do apuro estilístico de escritores como José Saramago, Mário de Carvalho, Miguel Real ou sobretudo Fernando Campos – só para citar escritores vivos que andam ou andaram na ficção histórica.

O que é que levou um engenheiro biofísico, que também é jornalista e ambientalista, a escrever romances?

Bem, se sou licenciado em Engenharia Biofísica, se já fui ambientalista e se sou também jornalista, por que não poderia escrever romances? Eu percebo o sentido da pergunta. Hoje estamos habituados à especialização, mas o meu percurso acaba, ligando as pontas, por ser natural. O meu primeiro romance, Nove Mil Passos, sobre a construção do Aqueduto das Águas Livres, nasce do meu interesse como engenheiro perante uma obra pública. Depois, toda a parte de investigação e selecção de informação aproveita a minha costela jornalística. Ter continuado depois, escrevendo mais romances, deveu-se ao gosto pela primeira experiência. E por não ter encontrado argumentos para me levarem a desistir. Além disso, escrever leva-me a reflectir e a compreender melhor a natureza humana – e não se duvide que se encontram muitas explicações para aquilo que hoje somos escrevendo sobre assuntos passados há séculos.

As boas histórias da História explicam a preferência por escrever romances do género ou a explicação é outra?

Nunca pensei muito nisso. Como atrás disse, o importante é uma boa história e uma boa escrita, independentemente do período em que se passa. O período histórico é secundário para fazer um bom romance. Como leitor, sinto-me atraído por romances que retratem aquilo que desconheço ou por via de me apresentarem algo numa perspectiva diferente. Agora, do ponto de vista de probabilidades, como o tempo passado é muito maior do que o da minha geração, há mais histórias dentro da História susceptíveis de se tornarem bons romances. Mas também há histórias dentro da História que são interessantes mas que terão sempre de ter um dedo grande de criatividade para se tornarem romances apelativos. Por exemplo, se eu tivesse pegado simplesmente na fábula do falso núncio, sem recriar completamente o personagem, o romance não seria interessante. Ninguém quereria ler a história de um burlão que tinha sido apanhado.

Quais as características que fazem de um personagem um bom personagem e de um escritor um bom escritor?

Já atrás referi alguns aspectos. Mas penso que os leitores são soberanos nessas matérias, sobretudo sobre se um escritor é ou não bom. Em todo o caso, as personagens têm de possuir «substrato»: não podem ser fúteis (a não ser que seja essencial na narrativa), têm de ter algo de surpreendente sem serem incoerentes ao longo do seu percurso. Mas não existem receitas. E sobretudo o mais importante é a forma como se escolhe o narrador. Nesse aspecto, eu gosto de narradores interventivos, que são também personagens, que entrem em diálogo com os leitores. Tenho procurado isso nos meus romances, com a escolha de Francisco de Holanda (no Nove Mil Passos), do próprio Diabo (no Profeta do Castigo Divino), e de Alonso Perez de Saavedra (n’A Mão Esquerda de Deus).

Venceu o Prémio Ambiental Fernando Pereira (2003) por um vasto trabalho em defesa do ambiente e publicou O Estrago da Nação um perfil ambiental do nosso país. Seis anos depois qual é a análise que faz de Portugal na área do desenvolvimento sustentável?

Nos últimos tempos tenho procurado evitar tecer muitas considerações sobre o estado do ambiente em Portugal e sobre um Governo liderado por um antigo ministro do Ambiente, porque, por respeito à educação dada pela minha mãe, desejo evitar o uso de demasiadas expressões vernáculas. Assim, acrescentaria apenas que estamos pior, involuímos e este Governo tem estado a implodir os alicerces de décadas de política ambiental, mesmo se antes dele as coisas já não estavam nada bem.

Pode falar-nos do livro que está escrever?

Tenho estado em reflexão sobre dois ou três projectos que tenho em mãos, um deles será um ensaio biográfico sobre um dos irmãos do marquês de Pombal, que teve mais influência no pombalismo do que aquilo que se imagina. Já tenho alguns capítulos elaborados, mas talvez venha a publicar antes disso um romance sobre a expulsão da Companhia de Jesus em Portugal e a sua extinção mais tarde pelo papa em 1773, mas relatando estes episódios de uma forma sui generis.


sábado, 9 de maio de 2009

Almost esquecido

Numa «sugestiva« lista de «Os esquecidos pelo IN' nas feiras do livro de Lisboa e Porto», o jornalista e crítico literário João Céu e Silva, na revista NS (Jornal de Notícias e Diário de Notícias) «ressuscita» do baú dos livros lançados desde o início do ano o meu «A Mão Esquerda de Deus».

Curto mas elogioso, diz o seguinte sobre mim e o dito romance: «Este escritor português já nos deu várias obras de fôlego e inesperadas pelo seu enquadramento histórico e profunda recriação de época e excepcional originalidade. Neste A Mão Esquerda de Deus, volta a surpreender ao relatar as confissões de um falsário andaluz que se tornou o primeiro inquisidor-geral de Portugal».

Adenda: Sinal dos tempos, reparo que a versão em papel da mini-mini-recensão ainda é mais pequena. Por falta de espaço, por certo, a primeira fase não consta e a segunda é ligeriramente diferente. A versão online, que transcrevi, está aqui.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Comunidade de Leitores

Na próxima quarta-feira, dia 29 de Abril, a partir das 19 horas, estarei na livraria Almedina, no Atrium Saldanha, em Lisboa, para uma conversa com os membros da Comunidade de Leitores, organizada pela Filipa Melo. O tema central da conversa é, claro, o romance A Mão Esquerda de Deus, mas isso será, por certo, apenas o ponto de partida para um par de horas de convívio literário. Apareçam...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Crítica na revista electrónica Storm

Uma pequena, mas muito estimulante crítica na secção Livros Lidos de Helena Vasconcelos, na Storm Magazine.

A Mão Esquerda de Deus, Pedro Almeida Vieira, Ed. Dom Quixote, 320 págs., 16,00
«Um deslumbrante romance histórico baseado na fábula do falso núncio de Portugal Alonso Perez de Saavedra, o andaluz que ousou tornar-se, através de burlas e falsificações, o primeiro Inquisidor-Geral de Portugal, no reinado de D. João III. Este episódio, considerado verídico e acreditado por homens como Voltaire, serve de pretexto para esta narrativa encantatória.**** (Muito Bom)»

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Entrevista na revista Visão

À beira dos 40 anos, já teve várias vidas. Formou-se em Engenharia Biofísica, foi árbitro de basquetebol, activista da Quercus, jornalista ambiental. Tornou-se romancista, diz, por causa da crise no jornalismo. «Passei a ter mais disponibilidade. Agora, tenho medo é de ter ideias! E de escrever um romance mau, pois percebi que é muito fácil fazê-lo». A Mão Esquerda de Deus (Dom Quixote), o seu livro mais recente, narra a história de um amante de touradas e burlão que chega a primeiro inquisidor-geral de Portugal.

Alonso Perez de Saavedra, o falso núncio andaluz transformado em inquisidor, é personagem maior do que a ficção?

Durante séculos, a existência deste falso núncio constou dos livros de História, hoje é considerado uma fábula de alguém que foi apanhado. Interessou-me reconstruir a figura, escrever sobre o medo que a Inquisição provocou. Quis criar uma alegoria: apesar de ser um burlão, Saavedra pretende fazer o bem e impedir que a Inquisição portuguesa de se tornar como a espanhola. A segunda alegoria do livro prende-se com o imaginar Deus a investir em tal figura, permitindo trapalhadas em seu nome, após Cristo, a sua mão direita, não ter sido bem sucedido (já que, um milénio depois, se matava em seu nome...). O fim do romance tem a ver com esse absurdo: Alonso sentir-se traído como Cristo se sentiu, na cruz.

Como equilibra ficção e realidade?

Todas as personagens são verdadeiras, excepto Alonso. O enquadramento histórico é verídico e rigoroso. O romance deve fazer um pacto com o leitor: este sabe que está a ler uma ficção, mas o autor tem de mentir de forma convincente e sem mudar o rumo da História. Não podemos alterar os factos, para dar jeito à trama. Há tempos, li um romance histórico onde me deparei com uma futura rainha portuguesa a piscar o olho ao pai, em pleno século XIV...

Está a escrever uma biografia sobre Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, já abordado em O profeta do Castigo Divino (2005). Como chegou até ele?

Foi um caso de deslumbramento. O livro assenta no santo [jesuíta] Gabriel Malagrida, que se cruza com o irmão do Marquês de Pombal quando este vai para o Maranhão, no Brasil. Ao ler as cartas enviadas por Mendonça Furtado vemos que muito do que consideramos pombalino – o ódio aos jesuítas, as preocupações urbanísticas – vem deste irmão. Depois da expulsão dos jesuítas, Mendonça cria um directório para a libertação dos índios. A maior parte das aldeias da região, hoje conhecidas por nomes portugueses, foram criadas por ele. Quando regressa a Portugal, torna-se o braço direito do Marquês, entre 1759 e 1769, como secretário de Estado adjunto do reino. Considerámos Pombal como um estadista que decidia sozinho, mas, hoje, vemos que tinha pessoas de confiança.

Por: Sílvia Couto Cunha / Visão (2 de Abril de 2009)

quarta-feira, 25 de março de 2009

Viajar à conta do romance

Pequeno périplo para apresentação d'A Mão Esquerda de Deus nos próximos dias, nas seguintes cidades:

Pombal, na livraria K de Livro, dia 27 de Março (sexta-feira), pelas 21 horas
Aveiro, na livraria Bertrand, no Forum Aveiro, dia 28 de Março (sábado), pelas 16 horas
Viseu, na FNAC, dia 29 de Março (domingo), pelas 17 horas

Recensão no Jornal de Letras, por Miguel Real

O pormenor, o rigor e o fantástico

Em conjunto com O Último Cabalista de Lisboa, de R. Zimler, As Fogueiras da Inquisição, de Ana Cristina Silva, e As Horas de Monsaraz, de Sérgio Luís de Carvalho, A Mão Esquerda de Deus, de Pedro Almeida Vieira, recentemente apresentado, constitui-se como um dos melhores romances históricos sobre a Inquisição publicados desde o 25 de Abril de 1974.

Engenheiro de formação e jornalista de profissão, Pedro Almeida Vieira evidencia-se como um exímio historiador e não menos notável romancista, como o provam os dois anteriores romances, Nove Mil Passos (2004) sua estreia, narrando a história do Aqueduto de Alcântara, em Lisboa, concebido por Custódio Vieira, e O Profeta do Castigo Divino (2005), história maravilhosa de Gabriel Malagrida, e o confirma em absoluto a publicação de A Mão Esquerda de Deus.

Analisando os três romances históricos publicados por Pedro Almeida Vieira, constatamos parecer este autor ter nascido «adulto». Com efeito, não existem saltos estéticos qualitativos ou rupturais entre os seus três romances. De qualidade semelhante, a diferença reside, quanto ao conteúdo, no enriquecimento dos pormenores históricos, ou dito de outro modo, no relevo e na força que os pormenores históricos possuem no seio da narrativa, aprimorando-a esteticamente. Não tem sido no trabalho sobre a estrutura, a intriga ou o léxico que Pedro Almeida Vieira tem crescido literariamente, mas, sim, no intensíssimo trabalho sobre o pormenor histórico. Esta a primeira característica que singulariza a sua obra no seio do actual romance histórico português: o culto do pormenor.

Com efeito, Pedro Almeida Vieira tem provado ser este género literário a sua vocação maior, trabalhando-o com um rigor que está longe de encontrar par na nova geração dos romancistas históricos, enfatizando, ao modo de Fernando Campos e João Aguiar, o escrúpulo alexandreherculiano da fidedignidade e da plausibilidade narrativas, operando com autenticidade e fidelidade a reconstituição dos grupos sociais, das instituições, dos costumes, dos usos, dos rituais profanos e das liturgias religiosas e da mentalidade da época abordada no romance. Aqui reside a segunda característica dos seus romances: a lição clássica oitocentista da obediência ao rigor do estudo das fontes e dos documentos históricos.

Ao culto do pormenor e ao culto do rigor, Pedro Almeida Vieira acrescenta uma terceira característica na composição das suas narrativas – o fantástico. De facto, o maravilhoso e o assombroso têm-se estatuído como o enquadramento geral das suas histórias. Nos dois primeiros romances, o fantástico emerge por via da instância narrativa (Francisco de Holanda e o Diabo); no romance ora publicado, o fantástico histórico é concentrado nas capacidades inatas da «mão esquerda» de D. Alonso Perez de Saavedra, a personagem principal, o falsário que, segundo a lenda, teria sido o primeiro Inquisidor-Mor de Portugal.

Em síntese, a descrição da feitura das tintas, da gama de papéis usados, de espectáculos, como as touradas espanholas no século XVI, os diversos momentos de um auto-de-fé, os hábitos da aristocracia andaluza narrados detalhadamente, o conhecimento pormenorizado das dinastias nobres espanholas, a situação religiosa tolerante de Málaga [Granada] após a Reconquista, a introdução da Inquisição em Portugal forjada pela personagem principal por amor a Beatriz, judia espanhola fugida para Portugal, a própria fabulação da possibilidade de um falsário se ter tornado o primeiro Inquisidor-Mor de Portugal, a estrutura narrativa epistolar e o fim absolutamente inesperado do romance, prestando sentido ao todo da história, provam com abundância ser Pedro Almeida Vieira um caso muito positivamente singular no actual panorama do romance histórico português.

Autoria: Miguel Real, JL nº 1004 (25 de Março-7 de Abril de 2009)

segunda-feira, 23 de março de 2009

Pessoal e transmissível

Hoje, a partir das 19:00 horas, na TSF, será emitida uma entrevista a mim feita pelo Carlos Vaz Marques para o seu programa Pessoal e Transmissível. A Mão Esquerda de Deus será o tema central, mas não só. Será repetida, depois, à 1:00 hora desta madrugada e depois ficará aqui, no link do programa.

sábado, 21 de março de 2009

Um certo olhar

Há uma semana tive a grata honra de estar, como convidado, no programa de debate Um Certo Olhar, na Antena Dois, com as «residentes» Luísa Schmidt e Carla Hilário Quevedo, contando com a moderação de Luís Caetano. Foi uma conversa interessante em torno dos temas da semana, mas em que houve oportunidade ainda de falar de literatura e, em particular, do meu A Mão Esquerda de Deus.

O linka da gravação está aqui.

Em breve, uma saída de Lisboa

Ainda não tenho todos os pormenores, mas em locais que adiantarei aqui ao longo desta semana, estarei no dia 27 (sexta-feira) em Pombal - na escola secundária e na livraria K do Livro, que aliás é «reincidente» nos convites, pois também lá apresentei os meus dois anteriores romances -, no sábado, 28 de Março, em Aveiro, e no dia seguinte, domingo, em Viseu.

Por cá, A Mão Esquerda de Deus será o livro de Abril da Comunidade de Leitores da livraria Almedina do Saldanha (vd. aqui), onde estarei presencialmente no dia 29.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Recensão na revista Ler

Partindo de uma espécie de lenda, de fábula erguida sobre rumores, cuja veracidade é actualmente posta em causa pela historiografia devido à ausência de quaisquer provas consistentes – apesar de até há dois séculos ter sido tida como verdadeira por vários autores, de entre os quais se destaca o nome de Voltaire –, Pedro Almeida Vieira (n. 1969) escreveu um romance inteligente e astuto em que, para além de outras questões, indaga a natureza da «verdade histórica» e, por consequência, também do poder da ficção. Neste jogo com o leitor, Almeida Vieira aproxima-se de alguns autores contemporâneos como José Eduardo Agualusa, que para epígrafe de um dos seus primeiros livros «escolheu» uma frase supostamente retirada de uma obra de existência duvidosa, e que enuncia de forma clara a vertente lúdica de toda a ficção histórica: «A verdade, na História, não é o que foi, mas o que tendo podido ser, parece ter sido.»

O romance é constituído por 41 cartas escritas pela disforme mão esquerda de Alonso Perez de Saavedra e dirigidas ao marquês de Villanueva do Barcarrota, governador de Badajoz. As missivas são enviadas directamente ao fidalgo, e este a elas responde, mas do teor das suas respostas não ter o leitor conhecimento directo, apenas podendo inferir do seu conteúdo pela carta seguinte. Nessas epístolas, o andaluz Alonso Perez de Saavedra, o falso núncio da Santa Sé em Portugal no reinado de D. João III, e primeiro inquisidor-geral, vai dando conta do que foi a sua vida, repleta de aventuras (dignas de um pícaro), das suas razões teológicas em elogio da mentira, e dos tormentos que passou até ousar tornar-se, por burlas e falsificação de documentos papais, o responsável pelo estabelecimento da Inquisição portuguesa em 1539.

Toda a narração retrata de maneira exemplar as convulsões religiosas, políticas e sociais que encheram o século XVI. Saavedra dá ainda conta dos poderes «mágicos» (e para ele essenciais) da sua mão esquerda, que se tornou «benfazeja», e que desde criança trazia enluvada, e de como conseguiu ultrapassar a hipocrisia da Igreja, a intolerância e a maldade dos homens, transformando a mentira numa virtude.

Num romance histórico epistolar, o autor pode correr o risco de se sentir tentado a adoptar uma linguagem demasiado barroca (por pretensas razões de verosimilhança), tornando assim a leitura menos fluente. Mas Almeida Vieira, embora assumindo correr esse risco, conseguiu encontrar um registo estilístico escorreito que em nada «entorpece» a leitura.

Autor: José Riço Direitinho/ Ler Março de 2009

quinta-feira, 12 de março de 2009

À Volta dos Livros

No programa À Volta dos Livros, na Antena Um, uma pequena conversa de cinco minutos com Ana Aranha, em torno d'A M;ão Esquerda de Deus. Para ouvir aqui.

Nas vossas mãos

Sala bem composta, muitos amigos, alguns desconhecidos (os meus leitores, tão do meu agrado), os meus pais, uma intervenção de Miguel Real que estranhamente me fez conhecer melhor, umas quantas palavras minhas - assim se resumiu o lançamento ontem d'A Mão Esquerda de Deus na FNAC do Chiado. Não há muito mais a dizer. Agora resta aguardar os feed-backs dos leitores.

quarta-feira, 11 de março de 2009

segunda-feira, 9 de março de 2009

A mão ou a memória esquecida

No afã de divulgador de livros em dois minutos no seu programa na RTP deste domingo, Marcelo Rebelo de Sousa pega no meu romance e dispara: «Pedro Almeida Vieira, A Mão Esquecida de Deus, romance histórico sobre a Inquisição, Dom Quixote».

Não há uma sem duas. Em 2006, quando publiquei Portugal: O Vermelho e o Negro, também Marcelo o apresentou com o título Portugal: O Vermelho e o Verde...

domingo, 1 de março de 2009

Entrevista à Notícias Magazine sobre A Mão Esquerda de Deus

É engenheiro biofísico, jornalista e escritor. Pedro Almeida Vieira deixou-se levar pela vida de uma sociedade dominada pelo Santo Ofício e vê chegar, amanhã, às livrarias, o seu terceiro romance histórico. Os factos aconteceram histórica e cronologicamente no século XVI, mas a ficção toma conta do personagem principal. É um falsificador que enganou a Igreja de Roma e de Lisboa, por amor, e ainda criou a Inquisição em Portugal. É assim «A Mão Esquerda de Deus».

Que Deus é este?

Ao longo da Historia da Igreja e das religiões, Deus surge como um ente caprichoso, muitas vezes rancoroso e que em certa medida tem o Homem como um servo. O personagem principal do livro, Alonso Perez de Saavedra, não pensa assim, e assume-se como um instrumento de Deus para mudar essa concepção.

Um enviado de Deus...

Sim, ele assume que tem uma missão divina de fazer o bem utilizando aquilo que para as concepções humanas está associado à maldade.

Que é a mentira...

A mentira, a burla, a falsificação. Muitas vezes associamos mentira à maldade e verdade à bondade. A própria Inquisição é hoje vista como uma página negra da história da Igreja em que a violência é feita para defender o bem, quando na verdade não era isso que sucedia. Saavedra surge como alguém que tem na falsidade, na mentira, na burla a única forma de fazer o bem.

Alonso Perez de Saavedra é um falsário andaluz que se faz passar por um núncio apostólico, em Lisboa. É o criador da Inquisição em Portugal. Onde é que começa a ficção e a realidade ou vice-versa. Até porque não se sabe se realmente este homem existiu...

Qualquer romance histórico é uma ficção por razões óbvias: não vivemos naquele período e os registos históricos não são factuais. A própria História, em muitos casos, é ficção. A História é feita pelos vencedores. Não há a dos vencidos. Agora há o outro lado dos acontecimentos. Naquela altura, não. A Historia era condicionada pelo poder.

Mas este romance baseia-se em factos históricos. Mesmo que o personagem não passe de uma fábula, o tempo e alguns dos actos relatados no seu romance aconteceram...

Sim, sobre os factos essenciais há um rigor histórico muito grande, mas sobre o falso núncio há uma ruptura com a História. O Alexandre Herculano, que escreveu a Historia da Inquisição em Portugal desde as negociações até à sua criação, ignora essa figura do falso núncio. No entanto, durante alguns séculos, esse falsário era um facto na origem da Inquisição em Portugal em livros de inquisidores, mais ou menos contemporâneos. Entre os séculos XVI e XVIII havia quem acreditasse na veracidade dessa origem da Inquisição em Portugal, incluindo Voltaire. No seu “Dicionário Filosófico”, escrito em 1764, Voltaire relata a história de Saavedra, do falso núncio, como estando na origem da Inquisição portuguesa. André Morellet, amigo de Voltaire, que fez uma tradução em francês do Manual dos Inquisidores, do inquisidor aragonês do século XIV, Nicolás Aymerich, também faz referência ao falsário Saavedra.

Ele decide ser um inquisidor por amor. Porquê?

Por questões de justiça e de tolerância, muito por aquilo que viveu durante a primeira década após a Conquista cristã de Granada, em 1492, em que houve tolerância religiosa. Mas também porque se apaixona por uma cristã-nova que acaba presa pela Inquisição. Pelas suas artes da falsificação, ele consegue-a resgatar das masmorras do Santo Ofício, mas pelo expediente que usa acaba por lhe perder o rasto. É numa procura ansiosa por Portugal, durante 10 anos, que se vai apercebendo dos desejos do rei D. João III em ter uma Inquisição selvática semelhante à espanhola, sobretudo depois do terramoto de 1531, que foi semelhante em grau de destruição ao de 1755. Parte da Igreja culpava os cristãos-novos por esse alegado castigo divino. Mas o Vaticano não aceitava as condições portuguesas e estava-se na iminência de surgir uma nova cisão na Igreja Católica, como a que sucedera, nessa altura, com Inglaterra, que deu origem ao anglicanismo. Então, Saavedra decide, num contexto especial, criar a Inquisição à sua imagem, de forma a conseguir dominá-la, evitando que se torne selvática como a espanhola. Através de um esquema elaborado ao pormenor, consegue ser reconhecido em Roma e em Lisboa. Durante um ano é um Inquisidor justo, razão que pela qual conseguiu atingir os seus fins, que ele considerava serem os fins desejados por Deus.

Mas no romance onde começa a fábula e surge a ficção do romancista?

O romance é uma reconstrução da vida de Saavedra, até porque não há elementos suficientes nas suas supostas autobiografias. Na fábula, era um simples burlão. No livro, dou-lhe um cariz humanista, ponho-o com princípios de justiça e tolerância religiosa, que quase não existiam naquela altura. Ele entrega-se em vez de ser apanhado. E aí está o interesse da história. Apesar de se saber logo no início que ele vai entregar-se, só no final do livro se entende todo o seu percurso e os motivos para um falsificador e burlão ter ousado tornar-se inquisidor e, depois de ser bem sucedido nos seus intentos, entregar-se voluntariamente.

Entrega-se porquê?

Por se ter sentido traído por Deus. O livro é também uma reflexão sobre a natureza humana e a nossa relação com Deus.

O próprio papa Paulo III quis depois conhecer este falsário...

Existem vários relatos pseudobiográficos, que vão sendo copiados ao longo dos anos, sobre este falso núncio. Num caso diz-se que lhe cortaram a mão direita; noutro que o contrataram para fazer falsificações; noutro ainda que esteve preso nas galés até ser libertado a pedido do próprio Papa. Mas a diversidade desses relatos, do destino desse falso núncio, varia muito ao longo dos tempos. Aliás, como sucedeu com a Bíblia. Está provado que a Bíblia foi tendo várias versões desde o inicio da era Cristã e que houve alterações um pouco à medida de quem copiava até haver uma formatação definitiva. Para além de haver uma relação entre historiadores e poder, temos de recordar que no século XVI apenas cerca de um por cento da população sabia ler e escrever e que essa pequena percentagem estava ligada à Igreja.

Conheceu este personagem enquanto estava a escrever o seu anterior romance, “O Profeta do Castigo Divino”. Porque é que decidiu escrever sobre este homem?

Sou muito céptico, como o próprio personagem. Num período em que se acreditava em bruxas a voar em vassouras ou em lobisomens, o personagem era uma pessoa muito incrédula. Tive uma espécie de chamamento para escrever este livro. Quando estava a pesquisar sobre o Padre Malagrida [última pessoa a ser sacrificada pela Inquisição portuguesa], protagonista d’O Profeta do Castigo Divino, consultei a obra de Morellet sobre a inquisição, que tinha um prefácio sobre a execução deste jesuíta pela Inquisição portuguesa e simultaneamente fazia referências ao falso núncio criador do Santo Ofício no século XVI. Eu desconhecia isso e quando fui consultar algumas obras à Biblioteca Nacional sobre este falso núncio fiquei estupefacto com a história.

O livro é apresentado ao leitor em cartas que descrevem, em cada dia, a vida de Saavedra. Essas cartas são dirigidas ao marquês de Villanueva de Barcarrota, a quem ele se entregará, que também lhe escreve, mas sem que o leitor conheça o seu conteúdo.

Escolhi este estilo, que tem algumas semelhanças com os outros dois meus romances. Em todos, o narrador assume uma atitude intimista com o leitor, contando-lhe uma história. Neste, o marquês de Villanueva de Barcarrota funciona como o leitor, que vai reagindo à medida que vai lendo cada carta. E Saavedra, embora dominando o seu relato e não admitindo interferências no modo como conta a sua história, procura elucidar alguns aspectos ou dúvidas suscitadas pelo seu interlocutor. Por vezes, chega a zangar-se e exasperar-se com o seu interlocutor. É uma espécie de jogo entre escritor e leitor.

A mão esquerda do falso núncio tem a particularidade de ser deficiente e ter dons...

O seu maior poder provém da sua mão esquerda, que aparentemente é disforme numa concepção humana, mas que tem dons especiais. A sua mão esquerda é uma espécie de alegoria. Só se fala do lado direito de Deus, que Cristo foi a mão direita de Deus. Por isso, pareceu-me interessante criar alguém com uma mão esquerda manipulada por Deus para, através de meios artificiosos, obrar o bem.

Neste seu romance há mentira, verdade, manipulação, tolerância, confissão. A história que conta, ou parte dela, é transportável para a actualidade?

As ambições dos homens de hoje são semelhantes às dos que viveram há séculos atrás. A sede de poder de agora e a luta pela forma com que se impõe a vontade são semelhantes. Hoje há regimes democráticos, mas há sempre sede de poder e de impor a vontade perante os outros. Nos dias de hoje, muitos políticos gostariam de não terem contestação ou deter o poder de mandar calar como acontecia antigamente.

Há um fascínio, da sua parte, em estudar a História dos séculos em que a igreja estava omnipresente na vida da sociedade. Que relação é que tem com Deus?

Tive uma formação católica, como a maior parte dos portugueses. Fui baptizado, fiz a primeira comunhão, frequentei a Igreja até entrar na faculdade e a partir daí desliguei-me por desinteresse. Curiosamente, sempre reflecti sobre a existência de Deus, como toda a gente, crentes ou não. Que tipo de sociedade humana é esta que se utiliza de um Ser, que à partida a criou, e que altera tanto os seus princípios e ensinamentos cristãos? Naquela altura, no século XVI, se Cristo viesse à terra não seria condenado pelos judeus, mas sim pelos próprios cristãos, num Auto de Fé. Acho que a haver uma prova para a não inexistência de Deus, a encontramos na existência da Inquisição. Não consigo conceber que Deus assistiu sentado no seu torno às violências realizadas pelos homens, em seu nome, e nada tivesse feito.

O Pedro é engenheiro biofísico, jornalista e escritor …

Optei pelas ciências porque não me interessava a parte da literatura. Há 20 anos nunca imaginaria estar a sequer a escrever um livro. Na altura em que estudava na Universidade de Évora, comecei a ter uma actividade cívica na Liga para a Protecção da Natureza. Em Lisboa, quando estagiei no Instituto Superior Técnico, entrei na Quercus, cheguei a ser dirigente nacional [1994-95] e fiz investigação no Instituto Superior de Agronomia.

Não chegou a exercer Engenharia Biofísica?

Quando estava na Quercus fiz alguns projectos e estudos, entre os quais um diagnóstico ambiental das lixeiras portuguesas. Foi um estudo pioneiro e como diagnóstico era superior a qualquer estudo que havia no Ministério do Ambiente. O jornalismo surge quando faço a transição para o associativismo ambiental. Escrevi trabalhos sobre ambiente, poder local e ordenamento do território para revistas e jornais.

E o romance histórico, como surge?

Eu só escrevo o meu primeiro romance histórico, «Nove Mil Passos» [2004], por via de ser engenheiro e jornalista. Muitas vezes há a noção de que existe um bloco estanque entre a ciência, o jornalismo e a literatura. Não há. E eu sou exemplo disso. Como engenheiro sempre quis saber como é que nasceu o Aqueduto das Águas Livres, um rio de pedra de 60 quilómetros de extensão, numa altura em que água vinha por gravidade desde as nascentes até Lisboa. E fiz uma reportagem quando o Aqueduto foi classificado Monumento Nacional, em 2002. Ao ler um livro histórico, apercebi-me da história fascinante do Aqueduto e pensei que dava um romance. E aí houve uma descoberta, até porque não li apenas os ensaios de historiadores contemporâneos. Fui ler livros escritos naquele período para perceber ambiências e o tipo de escrita daquela época. Lancei-me no desafio e acho que me dei bem. Escrever agora já é algo natural. É quase como uma droga dura: vicia, dá prazer e sofrimento.

Já está a trabalhar noutro livro também sobre uma figura histórica.

É uma biografia de Francisco Xavier Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal. Foi governador do Maranhão, logo a seguir ao Tratado de Madrid, durante nove anos. Tem uma intervenção no Brasil fantástica em termos de povoamento. Muitas das terras que têm nome de portugueses, no Maranhão, tem a ver com a acção dele. É Mendonça Furtado que acaba por transferir o ódio aos jesuítas, por aquilo que eles andavam a fazer no Brasil ao seu irmão. É ele que dá liberdade aos Índios, retira-os das aldeias jesuítas. E, quando regressa do Brasil, torna-se durante dez anos o braço direito do irmão, assume o cargo de secretário de estado adjunto do Rei, ou seja, de vice-primeiro-ministro. As próprias relações com o irmão são deliciosas. Estar a imaginar que dois jovens de 50 anos se comunicavam iniciando as cartas como «excelentíssimo irmão do meu coração» faz com que apeteça escrever uma obra sobre a vida desse homem.

Edição de 1 de Março de 2009 da revista Notícias Magazine (JN e DN). Entrevista conduzida por Elisabete Pato

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

As ânsias de um parto














O «compuscrito» saiu-me do disco rígido no início de Setembro do ano passado, embora uns acertos finais, questões de programação e o incontornável marketing tenham levado a prorrogar o parto até finais de Fevereiro. Há quase um mês, uns poucos exemplares d'A Mão Esquerda de Deus têm circulado por um número muito restrito de «felizardos» (assim espero que eles se considerem), mas a minha vontade é vê-lo disponível em todo o lado. Está quase. Em princípio, na quinta-feira da próxima semana, o romance estará nos principais pontos de venda a «piscar os olhos» aos leitores. Enquanto isso, só me resta esperar, ansiosamente esperando o tempo a passar. Está quase.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Entrevista no Escrita em Dia

Uma conversa agradável com o Francisco José Viegas, aqui, no programa Escrita em Dia, na Antena Um, da passada quarta-feira. Falou-se um pouquinho do romance A Mão Esquerda de Deus e também do meu percurso literário pouco ortodoxo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Primeiro capítulo integral




DIES PRIMA


Julgando vós ser eu quem todos crêem que sou, suposto seria requerer que viésseis à minha presença para vos inquirir, talvez ouvir em confissão. Porém, não apelo à vossa presença para receber as vossas culpas e lhes atribuir uma pena, mas antes para vos revelar os meus pecados.

Por certo que estranhareis estas minhas palavras iniciais, marquês de Villanueva de Barcarrota, e presumo também que ficareis admirado por, tendo já pedido para virdes de Badajoz até Nieva do Guadiana, onde me encontro em terras lusitanas, ser convite apenas para ser executado dentro de mais de um mês, quando eu assim o ordenar. Esse será o tempo que prevejo necessitar para desvelar os meus crimes. Ao longo das manhãs, farei chegar cartas ao vosso palácio, uma em cada dia, relatando a história da minha vida. Quando terminar, então serei vosso prisioneiro.

Acredito que, ao lerdes estas linhas, o vosso primeiro impulso seja o de pensardes estar perante um embuste ou uma brincadeira de mau gosto. E que tenhais vontade de vir de imediato a esta casa, a mim cedida pelo pároco de Mora, irromperdes pelo meu quarto de sorte a confirmar se sou mesmo a pessoa que julgais eu ser. Não ireis cometer essa ousadia porque significaria que desacreditais, desde logo, da minha palavra. Para que possais merecer as minhas confissões, tereis de ser digno da minha confiança e de cumprir uma cláusula inalienável: concordar que eu escreva sem interrupção, sem vos atreverdes a interromper-me. Se assim o desejardes, podereis enviar-me, em cada tarde, algumas questões suscitadas pelos meus escritos, as quais procurarei elucidar, mas sem fugir ao rumo do relato. Nenhuma outra condição aceitarei, mesmo sabendo que, concluída a minha história, sereis dono do meu corpo e da minha vontade. Mas nunca antes.

Se transgredirdes, marquês de Villanueva de Barcarrota, se eu souber que tomais qualquer diligência para evitar que conclua o meu relato, vos garanto deter a suprema liberdade de, simplesmente, interromper esta confissão como se não a estivesse fazendo, como se nunca tivesse existido, e ordenar que me preparem o cavalo, sair desta casa, partir em direcção a Lisboa e, aí chegando, entrar no Paço da Ribeira para solicitar no meu anel o reverente ósculo de D. João III de Portugal. O rei português mo dará, qualquer que seja a hora do dia ou da noite.

Nem julgueis também que esta minha primeira missiva, e as outras que lhe sucederem, representam qualquer comprovação dos meus actos, e que sejam prova bastante para me puderdes agrilhoar. Estas letras que estais vendo, escritas pela minha mão esquerda, jamais poderão ser reconhecidas como tendo saído do meu punho, pois em nada se assemelham às que, de ordinário, uso. Aliás, vos causaria os maiores embaraços se as apresentásseis às justiças como sendo minhas, sem a minha confirmação oral e veemente, porquanto, para vosso espanto e de todos, se revelariam ser afinal pertença de uma régia mão que, aliás, já nem se encontra no mundo dos vivos.

Estou, contudo, persuadido de que ireis aceitar e respeitar esta minha imposição, porque se vos escolhi para me confessar e entregar, foi por reconhecer em vós, como Governador de Badajoz, um nobre de sangue e de ponderação. E que sabeis existir um tempo para falar ou escrever, outro para ouvir ou ler, e ainda outro para agir. E que, portanto, apenas agireis, como vos peço ou exijo, quando eu tudo tiver escrito e vós tudo tiverdes lido.

Em troca, garanto-vos sinceridade, marquês de Villanueva de Barcarrota.

Necessito, porém, de compor desde já um elogio à mentira, em oposição à verdade. Convenhamos que, prometendo franqueza, será contraditório fazer uma apologia da mendácia, porquanto sempre a ajoujamos ao engano, à deslealdade, à perfídia, à falsidade, ao fingimento, à hipocrisia e à traição. É ela, em sua essência, contrária à sinceridade, reprovável pelos ensinamentos da Santa Igreja. Qualquer teólogo assegurará ser a mentira execrável por conduzir à soberba e à violência. E que, desse modo, toda a mentira é malévola, e somente a verdade sempre benévola.

Contudo, neste mundo, em distintas e bastas ocasiões, muitas virtudes se encontram tanto na verdade quanto na mentira. E tanto na verdade como na mentira se vislumbram, em bastas e distintas ocasiões, muitas máculas e sofrimentos. Olhai o mundo, se duvidais! Mata-se por se dizer a verdade, se mata servindo-se da mentira, morre-se por se defender a verdade e se morre ao abraçar-se a mentira. Em nome da verdade, por mor da mentira, pelos dois motivos, se oprime e se tira a vida, se perde a vida e se é oprimido.

Aliás, pelas suas semelhanças, a verdade dos homens é a irmã da mentira. Embora tantas vezes possam parecer dissemelhantes, são como as duas faces de uma mesma moeda, não existindo uma sem a outra. E por esse motivo se confundem, se transmutam, quantas vezes, uma na outra. São ambas maleáveis, por não dependerem da razão e da realidade, que são imutáveis. Ao invés, são elas flexas perante o poder, que é inconstante. Se juntardes uma assembleia de povos malquerentes, cada um dirá ser a sua opinião ou causa a verdadeira, acusando as outras de falsas. A verdade para uns é a mentira para os outros. Quem decide quem mente, quem profere a verdade, acaba por ser um atributo do vencedor, que a impõe não tanto pela razão mas pelo poder da persuasão, pelo poder da argumentação, pelo poder da força, tantas vezes pelo poder das armas. E depois lutam, continuadamente, na defesa da sua verdade, mas não pela defesa da razão nem da realidade.

E assim sucede, marquês de Villanueva de Barcarrota, porque nem a verdade nem a mentira são perenes. A verdade hoje aceite pode ter sido a mentira de ontem e transformar-se no engano de amanhã. Por isso, o mundo dos homens é uma constante guerra para impor a verdade, aniquilando a mentira, por receio de esta lhe usurpar o lugar. E é nestas transmutações que muitos males sucedem, não necessariamente apenas aos reputados mentirosos.

Quantos foram os homens e até as mulheres, marquês de Villanueva de Barcarrota, que morreram por defenderem a verdade antes do tempo correcto, durante o tempo errado ou depois do tempo certo? E quantos mataram impondo como verdade o que antes era considerado mentira? E quantos mataram ou morreram na luta para verem a sua mentira olhada como verdade? Confundo-vos com palavras, mas se assim procedo é com uma simples intenção: a verdade não é sempre boa, nem a mentira é sempre má. Por serem iguais na essência, se exaltamos uma, não podemos aviltar a outra.

Engana-se assim quem julga que por apenas falar verdade será conduzido à salvação, que a mentira encaminha somente para a perdição. E engana-se quem julga que a mentira é contrária à ordem natural, à harmonia dos povos e até contra a nossa religião. Se o é, então o mesmo sucede com a verdade.

Vivemos uma farsa, marquês de Villanueva de Barcarrota, uma irónica mentira, ao conceder demasiada importância à verdade dos homens, à palavra autêntica. A palavra, quer a verdadeira quer a falsa, é apenas um vento que nos sai da boca, ou uma tinta derramada num pergaminho. Nada significam, nada mostram sobre a nossa conduta. Aos olhos dos homens, aquilo que vos digo pode assim não ser, mas acredito que aos olhos de Deus o é. Ou melhor, acreditei que o fosse.

Até há poucos dias julguei que para o Criador apenas os actos e os fins seguidos por qualquer homem indicavam quem ele era e, desse modo, Ele determinaria se o acolheria no Seu seio. Ou seja, que somente os actos, e seus fins, seriam atendidos no Juízo Final. E nada lhe escaparia. Sobre as criaturas humanas, acreditei ter Ele um olho grande e perspicaz que conseguia descobrir, penetrar e ver o mais recôndito pensamento e a mais dissimulada acção. Nenhuma palavra Lhe poderia escapar, por via do Seu ouvido aguçado e afinado, que tudo percebia, desde os cicios até aos gritos. E acreditei também que Ele detinha uma poderosa e inelutável mão que nos apontava os nossos menores descuidos e as nossas mais secretas meditações, até sobre aqueles que, como eu, possuem uma língua maleável ou uma mão habilidosa, e conseguem iludir e enganar os homens, ocultando a mentira e transmutando-a em verdade.

De igual sorte também acreditei, marquês de Villanueva de Barcarrota, que Deus permitia, mesmo em casos especiais, que a mentira prevalecesse sobre a verdade, a influía até em certos homens para obrarem o Bem. Isto é, Ele os levava a mentir, mas com bom coração, para, contornando a verdade dos homens, se poderem salvar e cumprir uma missão divina. Exemplos daquilo que vos digo encontram-se nas Sagradas Escrituras. Se Cristo desejasse que proferíssemos sempre a verdade acreditada pelos homens, jamais teria permitido que Simão Pedro o negasse por três vezes antes de o galo cantar. Aquele apóstolo não O negou por fraqueza humana ou cobardia, pois Deus não escolheria alguém com esses desdourados atributos para erigir a Igreja. Simão Pedro mentiu sim por influência divina, porquanto sem a mão de Deus nada lhe aniquilaria a sinceridade e lealdade. E sendo sincero e leal, dizendo a verdade, Simão Pedro se perderia, sem qualquer vantagem nem glória, perdendo-se assim a missão que Deus lhe destinara.

Muitos séculos antes, e de igual modo por intervenção divina, Abraão também mentiu, ao pedir a sua mulher Sara para ocultar a verdade, para que ela dissesse ser apenas sua irmã ao entrarem no Egipto. Com efeito, se Abraão e Sara proferissem a verdade, os egípcios tê-los-iam morto. E assim, pela virtude da mentira, Abraão foi muito bem tratado, ofereceram-lhe ovelhas, bois, jumentos, camelos, servos e servas, podendo continuar a sua missão divina. Poderia continuar com mais exemplos, patentes nas Escrituras, sobre a aceitação da mentira por Deus, mas poupo-vos.

Importante, sim, é dizer-vos, marquês de Villanueva de Barcarrota, que ao longo da minha vida, sobretudo nos últimos anos, acabei por assumir ser a mentira aceitável e benfazeja, por vezes o derradeiro recurso para se produzir ou manter o Bem e lutar contra o Mal. E que era lícito usar a mentira se não se cometessem as outras seis coisas que Deus abomina: nunca ter olhos altivos, nem as mãos causarem derrame de sangue inocente, nem o coração maquinar projectos iníquos, nem os pés se apressarem para o Mal, nem exortar testemunhas a proferirem falsidades, nem semear discórdias entre irmãos. E, claro, sem dirigir os dotes da mentira apenas para benefício próprio, pois este tipo de mentiroso é mais abominável que um ladrão.

É certo que podereis contrapor com a existência de homens bons, professos do Bem, que, sem nunca terem mentido, obtiveram assim as graças divinas – e, portanto, duvidareis das minhas palavras. Porém, asseguro-vos que neste mundo dominado pelo ferro, pelo ouro e pelo fogo, esses homens até podem praticar ou ter praticado o Bem, mas jamais conseguiram vencer as injustiças, lutar com sucesso contra as insídias e derrotar, em definitivo, o Mal. De ordinário, aqueles que insistem em defender a Justiça com palavras saídas do coração, imponderadas perante o poderoso Mal, e que se rebelam abertamente contra as atrocidades estão condenados ao fracasso e talvez à morte.

Poderemos dizer que, sendo perseguidos, encontram a glória em Deus, que morrem e se tornam santos mártires. No entanto, deixam este mundo como o encontraram. Olhai, aliás, o exemplo de Cristo, sacrificado pelos fariseus. Foi morto por usar palavras e actos verdadeiros, sem subterfúgios e manhas, para remissão dos nossos pecados, mas milénio e meio após o seu sacrifício está o mundo igual. Ou talvez pior. Continuamos a matar, a fazer sofrer, a ser intolerantes para aqueles que têm opinião contrária, com a agravante de ser a nossa religião, a religião de Cristo, que mais comete estes ignóbeis actos, ao difundir dogmas, para perpetuar a sua verdade e aniquilar quaisquer desvios.

A nossa Igreja não defende nem a verdade nem a Verdade de Cristo, defende sim o Poder dos Homens. Comporta-se como aquele que apenas se preocupa em impor a sua verdade, sem saber se é a realidade. Por isso, perante aqueles que se opõem às suas doutrinas, logo a Igreja se mostra lesta e inflexível em os acusar de professarem vãs e temerárias teorias, fruto de desvairados interesses, vaidades e paixões. E, hélas, nesta saga, nesta sanha, numa cegueira de poder, persegue e controla tanto os hereges como aqueles que amam Cristo e temem Deus.

Quantos homens bons terão já sido mortos em nome de Deus? Ou quantos tementes a Deus acabaram chacinados por cristãos, por aqueles que se arrogam grandes defensores da verdade? Tantos que um bispo português, um bom ancião, me disse, há não mais de meio ano, uma crua verdade: se porventura Cristo descesse de novo à terra, hoje já não seria crucificado pelos judeus, mas sim queimado num auto-de-fé. Por nós, cristãos! Facilmente os inquisidores Lhe formariam acusações, condenando-O como apóstata, impenitente e pertinaz, sem direito sequer à hipócrita piedade do garrote antes de acenderem a pira de lenha.

A tal verdade divina que a Igreja tanto se orgulha de defender, marquês de Villanueva de Barcarrota, baseia-se afinal na mais abjecta falsidade e na intolerância, impõe-se pela opressão e por guerras, enquanto a Verdade de Deus se deveria encontrar na tolerância, na compreensão e no amor. A criatura, a Igreja, passou a dominar o seu Criador, Deus. Muito apartados estamos, aliás, do cristianismo primitivo e a Inquisição é disso um paradigma. A nossa Igreja, para manter o seu poder, esconde e chega a manipular as Sagradas Escrituras. São Paulo, quando se dirigiu aos Coríntios dizendo ser mesmo necessário haver divisões para se tornarem conhecidos aqueles que resistem a Cristo, que até podiam estar enganados, não estava incitando à violência e ao ódio, mas sim a apelar ao diálogo e saudável confronto de opiniões. Mas os homens da Igreja decidiram trocar a força da razão pela razão da força. Em vez de fazer florescer uma seara de trigo, semeiam joio, porque parece dar-lhes mais prazer cortar as ervas daninhas do que colher apenas os grãos saudáveis. E assim se eliminaram os cátaros, os valdenses, os flagelantes, os fraticelos, os taboritas e tantas outras seitas antigas, e agora se perseguem mesmo os judeus e os muçulmanos sem nenhuma razão humana ou divina. Eis o mais atroz Mal: a verdade, que devia defender o Bem, a arrogar-se no direito de matar a mentira. Como se pode então tecer um elogio à verdade?

Por causa do medo e do terror que a Igreja lavra, semeia e aduba, tantos homens e tantas mulheres, às escondidas, viram-se para as crendices, para a superstição e para o paganismo, afastando-se de Deus por a Igreja somente lhes oferecer sofrimento. Com todos estes procedimentos, com a tal verdade dos homens, tem a Cristandade conseguido somente alimentar a hipocrisia entre os cristãos, obrigando muitos a renegarem à sinceridade. E aqueles que são sinceros e criticam os abusos dogmáticos da Igreja são condenados por este seu procedimento, por não venerarem os sacerdotes, mesmo se tementes a Deus.

Perante isto, marquês de Villanueva de Barcarrota, que poderia eu fazer, sendo um homem bom mas que não suportou olhar as injustiças?

O famoso Erasmo de Roterdão, morto há quatro anos, deixou--nos muitos escritos cheios de boas verdades embora a Igreja, lesta, se tenha já aprontado a considerá-los heréticos. Explicou ele, com refinada ironia, ser imprudente o homem que não se acomoda às coisas presentes, que não obedece aos costumes, que esquece aquela lei dos banquetes: Bebe ou retira-te. E que, ao invés, será prudente todo aquele que não querendo saber mais que os outros, convive e erra de boa vontade com e como a universalidade dos homens.

Ou seja, aplicando-se ao meu caso, se contestasse as doutrinas dos sacerdotes – retirando-me apenas do banquete –, a minha postura seria considerada ofensiva, uma falsa crença, fruto de uma vontade perversa. E se argumentasse com a justeza da minha opinião, se insistisse na bondade daquilo que defendia, receberia a malquerença, o desprezo, a repulsa, a perseguição e, porventura, a própria morte.

Por isso, marquês de Villanueva de Barcarrota, acabei por seguir uma vida de mentira, para fugir das garras do Mal e obrar o Bem. Manipulei a verdade da Igreja, a verdade dos homens, compus o meu engano, aparentando participar na farsa da vida, bebendo no banquete e nunca me retirando. Com a mentira e por bons propósitos, tornei-me o perfeito cortesão no banquete de Erasmo, alegrando os convivas, oferecendo-lhes vinho, tornando-os ébrios, mas para assim conseguir vencer a arrogância e, com prudência e sobriedade, usar os meus dons e sabedoria para estancar o sofrimento dos perseguidos pela Igreja e seus fanáticos acólitos. E na missão que julguei estar investido, consegui esses propósitos.

Contudo, há uma semana, por vontade ou imposição de Deus, tudo cessou. Por isso, aqui estou a desvendar os meus fingimentos. Sou, marquês de Villanueva de Barcarrota, e assim me confesso, um embusteiro completo. Por isso, não me chameis Eminência, porque não o sou. Por núncio apostólico me reconhecem, em Roma e Lisboa, mas jamais o deveria ter sido, pois consegui esse cargo pelo logro. Se Inquisidor-Geral de Portugal me tornei, consegui-o também por falsificação. E nem sequer me chamo Alonso Perez de Saavedra, porquanto na pia baptismal me deram o nome de meu pai, Juan, e depois disso ainda o transmudei para Hernando durante longos anos. É este o homem que sou, é este o homem que ireis agrilhoar. Mas, repito-vos, nunca antes de relatar toda a minha história.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Em breve nas livrarias

Baseado na fábula do falso núncio de Portugal - considerada verídica durante vários séculos, e acreditada por homens como Voltaire -, A Mão Esquerda de Deus é um romance empolgante cque reconstrói a vida aventureira e heterodoxa de Alonso Perez de Saavedra, o andaluz que ousou tornar-se, através de burlas e falsificações, o primeiro Inquisidor-Geral de Portugal, no reinado de D. João III.


Neste blog poderá encontrar, a partir de hoje, várias informações relacionadas com o meu novo romance. Em breve, aqui colocarei o primeiro capítulo e, ao longo das próximas semanas e meses, relatarei alguns episódios sobre a concepção do romance, sobre os aspectos ficcionais e reais da trama, e enfim tudo aquilo que, a seu tempo, me aprouver... ou os leitores assim quiserem.

Serão também aqui colocadas, sempre que possível, informações respeitantes aos lançamentos, entrevistas, recensões, encontros com leitores, etc..

Também em breve estará disponível um site (www.pedroalmeidavieira.com) onde se poderá encontrar tudo o que está relacionado com a minha, digamos assim, obra.

Quase escusado será referir que todos os comentários e pedidos serão bem-vindos e, sempre que possível, respondidos favoravelmente. O blog é meu, mas a informação que aqui constar será vossa.

Pedro Almeida Vieira