segunda-feira, 6 de abril de 2009

Entrevista na revista Visão

À beira dos 40 anos, já teve várias vidas. Formou-se em Engenharia Biofísica, foi árbitro de basquetebol, activista da Quercus, jornalista ambiental. Tornou-se romancista, diz, por causa da crise no jornalismo. «Passei a ter mais disponibilidade. Agora, tenho medo é de ter ideias! E de escrever um romance mau, pois percebi que é muito fácil fazê-lo». A Mão Esquerda de Deus (Dom Quixote), o seu livro mais recente, narra a história de um amante de touradas e burlão que chega a primeiro inquisidor-geral de Portugal.

Alonso Perez de Saavedra, o falso núncio andaluz transformado em inquisidor, é personagem maior do que a ficção?

Durante séculos, a existência deste falso núncio constou dos livros de História, hoje é considerado uma fábula de alguém que foi apanhado. Interessou-me reconstruir a figura, escrever sobre o medo que a Inquisição provocou. Quis criar uma alegoria: apesar de ser um burlão, Saavedra pretende fazer o bem e impedir que a Inquisição portuguesa de se tornar como a espanhola. A segunda alegoria do livro prende-se com o imaginar Deus a investir em tal figura, permitindo trapalhadas em seu nome, após Cristo, a sua mão direita, não ter sido bem sucedido (já que, um milénio depois, se matava em seu nome...). O fim do romance tem a ver com esse absurdo: Alonso sentir-se traído como Cristo se sentiu, na cruz.

Como equilibra ficção e realidade?

Todas as personagens são verdadeiras, excepto Alonso. O enquadramento histórico é verídico e rigoroso. O romance deve fazer um pacto com o leitor: este sabe que está a ler uma ficção, mas o autor tem de mentir de forma convincente e sem mudar o rumo da História. Não podemos alterar os factos, para dar jeito à trama. Há tempos, li um romance histórico onde me deparei com uma futura rainha portuguesa a piscar o olho ao pai, em pleno século XIV...

Está a escrever uma biografia sobre Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, já abordado em O profeta do Castigo Divino (2005). Como chegou até ele?

Foi um caso de deslumbramento. O livro assenta no santo [jesuíta] Gabriel Malagrida, que se cruza com o irmão do Marquês de Pombal quando este vai para o Maranhão, no Brasil. Ao ler as cartas enviadas por Mendonça Furtado vemos que muito do que consideramos pombalino – o ódio aos jesuítas, as preocupações urbanísticas – vem deste irmão. Depois da expulsão dos jesuítas, Mendonça cria um directório para a libertação dos índios. A maior parte das aldeias da região, hoje conhecidas por nomes portugueses, foram criadas por ele. Quando regressa a Portugal, torna-se o braço direito do Marquês, entre 1759 e 1769, como secretário de Estado adjunto do reino. Considerámos Pombal como um estadista que decidia sozinho, mas, hoje, vemos que tinha pessoas de confiança.

Por: Sílvia Couto Cunha / Visão (2 de Abril de 2009)

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