quarta-feira, 25 de março de 2009

Viajar à conta do romance

Pequeno périplo para apresentação d'A Mão Esquerda de Deus nos próximos dias, nas seguintes cidades:

Pombal, na livraria K de Livro, dia 27 de Março (sexta-feira), pelas 21 horas
Aveiro, na livraria Bertrand, no Forum Aveiro, dia 28 de Março (sábado), pelas 16 horas
Viseu, na FNAC, dia 29 de Março (domingo), pelas 17 horas

Recensão no Jornal de Letras, por Miguel Real

O pormenor, o rigor e o fantástico

Em conjunto com O Último Cabalista de Lisboa, de R. Zimler, As Fogueiras da Inquisição, de Ana Cristina Silva, e As Horas de Monsaraz, de Sérgio Luís de Carvalho, A Mão Esquerda de Deus, de Pedro Almeida Vieira, recentemente apresentado, constitui-se como um dos melhores romances históricos sobre a Inquisição publicados desde o 25 de Abril de 1974.

Engenheiro de formação e jornalista de profissão, Pedro Almeida Vieira evidencia-se como um exímio historiador e não menos notável romancista, como o provam os dois anteriores romances, Nove Mil Passos (2004) sua estreia, narrando a história do Aqueduto de Alcântara, em Lisboa, concebido por Custódio Vieira, e O Profeta do Castigo Divino (2005), história maravilhosa de Gabriel Malagrida, e o confirma em absoluto a publicação de A Mão Esquerda de Deus.

Analisando os três romances históricos publicados por Pedro Almeida Vieira, constatamos parecer este autor ter nascido «adulto». Com efeito, não existem saltos estéticos qualitativos ou rupturais entre os seus três romances. De qualidade semelhante, a diferença reside, quanto ao conteúdo, no enriquecimento dos pormenores históricos, ou dito de outro modo, no relevo e na força que os pormenores históricos possuem no seio da narrativa, aprimorando-a esteticamente. Não tem sido no trabalho sobre a estrutura, a intriga ou o léxico que Pedro Almeida Vieira tem crescido literariamente, mas, sim, no intensíssimo trabalho sobre o pormenor histórico. Esta a primeira característica que singulariza a sua obra no seio do actual romance histórico português: o culto do pormenor.

Com efeito, Pedro Almeida Vieira tem provado ser este género literário a sua vocação maior, trabalhando-o com um rigor que está longe de encontrar par na nova geração dos romancistas históricos, enfatizando, ao modo de Fernando Campos e João Aguiar, o escrúpulo alexandreherculiano da fidedignidade e da plausibilidade narrativas, operando com autenticidade e fidelidade a reconstituição dos grupos sociais, das instituições, dos costumes, dos usos, dos rituais profanos e das liturgias religiosas e da mentalidade da época abordada no romance. Aqui reside a segunda característica dos seus romances: a lição clássica oitocentista da obediência ao rigor do estudo das fontes e dos documentos históricos.

Ao culto do pormenor e ao culto do rigor, Pedro Almeida Vieira acrescenta uma terceira característica na composição das suas narrativas – o fantástico. De facto, o maravilhoso e o assombroso têm-se estatuído como o enquadramento geral das suas histórias. Nos dois primeiros romances, o fantástico emerge por via da instância narrativa (Francisco de Holanda e o Diabo); no romance ora publicado, o fantástico histórico é concentrado nas capacidades inatas da «mão esquerda» de D. Alonso Perez de Saavedra, a personagem principal, o falsário que, segundo a lenda, teria sido o primeiro Inquisidor-Mor de Portugal.

Em síntese, a descrição da feitura das tintas, da gama de papéis usados, de espectáculos, como as touradas espanholas no século XVI, os diversos momentos de um auto-de-fé, os hábitos da aristocracia andaluza narrados detalhadamente, o conhecimento pormenorizado das dinastias nobres espanholas, a situação religiosa tolerante de Málaga [Granada] após a Reconquista, a introdução da Inquisição em Portugal forjada pela personagem principal por amor a Beatriz, judia espanhola fugida para Portugal, a própria fabulação da possibilidade de um falsário se ter tornado o primeiro Inquisidor-Mor de Portugal, a estrutura narrativa epistolar e o fim absolutamente inesperado do romance, prestando sentido ao todo da história, provam com abundância ser Pedro Almeida Vieira um caso muito positivamente singular no actual panorama do romance histórico português.

Autoria: Miguel Real, JL nº 1004 (25 de Março-7 de Abril de 2009)

segunda-feira, 23 de março de 2009

Pessoal e transmissível

Hoje, a partir das 19:00 horas, na TSF, será emitida uma entrevista a mim feita pelo Carlos Vaz Marques para o seu programa Pessoal e Transmissível. A Mão Esquerda de Deus será o tema central, mas não só. Será repetida, depois, à 1:00 hora desta madrugada e depois ficará aqui, no link do programa.

sábado, 21 de março de 2009

Um certo olhar

Há uma semana tive a grata honra de estar, como convidado, no programa de debate Um Certo Olhar, na Antena Dois, com as «residentes» Luísa Schmidt e Carla Hilário Quevedo, contando com a moderação de Luís Caetano. Foi uma conversa interessante em torno dos temas da semana, mas em que houve oportunidade ainda de falar de literatura e, em particular, do meu A Mão Esquerda de Deus.

O linka da gravação está aqui.

Em breve, uma saída de Lisboa

Ainda não tenho todos os pormenores, mas em locais que adiantarei aqui ao longo desta semana, estarei no dia 27 (sexta-feira) em Pombal - na escola secundária e na livraria K do Livro, que aliás é «reincidente» nos convites, pois também lá apresentei os meus dois anteriores romances -, no sábado, 28 de Março, em Aveiro, e no dia seguinte, domingo, em Viseu.

Por cá, A Mão Esquerda de Deus será o livro de Abril da Comunidade de Leitores da livraria Almedina do Saldanha (vd. aqui), onde estarei presencialmente no dia 29.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Recensão na revista Ler

Partindo de uma espécie de lenda, de fábula erguida sobre rumores, cuja veracidade é actualmente posta em causa pela historiografia devido à ausência de quaisquer provas consistentes – apesar de até há dois séculos ter sido tida como verdadeira por vários autores, de entre os quais se destaca o nome de Voltaire –, Pedro Almeida Vieira (n. 1969) escreveu um romance inteligente e astuto em que, para além de outras questões, indaga a natureza da «verdade histórica» e, por consequência, também do poder da ficção. Neste jogo com o leitor, Almeida Vieira aproxima-se de alguns autores contemporâneos como José Eduardo Agualusa, que para epígrafe de um dos seus primeiros livros «escolheu» uma frase supostamente retirada de uma obra de existência duvidosa, e que enuncia de forma clara a vertente lúdica de toda a ficção histórica: «A verdade, na História, não é o que foi, mas o que tendo podido ser, parece ter sido.»

O romance é constituído por 41 cartas escritas pela disforme mão esquerda de Alonso Perez de Saavedra e dirigidas ao marquês de Villanueva do Barcarrota, governador de Badajoz. As missivas são enviadas directamente ao fidalgo, e este a elas responde, mas do teor das suas respostas não ter o leitor conhecimento directo, apenas podendo inferir do seu conteúdo pela carta seguinte. Nessas epístolas, o andaluz Alonso Perez de Saavedra, o falso núncio da Santa Sé em Portugal no reinado de D. João III, e primeiro inquisidor-geral, vai dando conta do que foi a sua vida, repleta de aventuras (dignas de um pícaro), das suas razões teológicas em elogio da mentira, e dos tormentos que passou até ousar tornar-se, por burlas e falsificação de documentos papais, o responsável pelo estabelecimento da Inquisição portuguesa em 1539.

Toda a narração retrata de maneira exemplar as convulsões religiosas, políticas e sociais que encheram o século XVI. Saavedra dá ainda conta dos poderes «mágicos» (e para ele essenciais) da sua mão esquerda, que se tornou «benfazeja», e que desde criança trazia enluvada, e de como conseguiu ultrapassar a hipocrisia da Igreja, a intolerância e a maldade dos homens, transformando a mentira numa virtude.

Num romance histórico epistolar, o autor pode correr o risco de se sentir tentado a adoptar uma linguagem demasiado barroca (por pretensas razões de verosimilhança), tornando assim a leitura menos fluente. Mas Almeida Vieira, embora assumindo correr esse risco, conseguiu encontrar um registo estilístico escorreito que em nada «entorpece» a leitura.

Autor: José Riço Direitinho/ Ler Março de 2009

quinta-feira, 12 de março de 2009

À Volta dos Livros

No programa À Volta dos Livros, na Antena Um, uma pequena conversa de cinco minutos com Ana Aranha, em torno d'A M;ão Esquerda de Deus. Para ouvir aqui.

Nas vossas mãos

Sala bem composta, muitos amigos, alguns desconhecidos (os meus leitores, tão do meu agrado), os meus pais, uma intervenção de Miguel Real que estranhamente me fez conhecer melhor, umas quantas palavras minhas - assim se resumiu o lançamento ontem d'A Mão Esquerda de Deus na FNAC do Chiado. Não há muito mais a dizer. Agora resta aguardar os feed-backs dos leitores.

quarta-feira, 11 de março de 2009

segunda-feira, 9 de março de 2009

A mão ou a memória esquecida

No afã de divulgador de livros em dois minutos no seu programa na RTP deste domingo, Marcelo Rebelo de Sousa pega no meu romance e dispara: «Pedro Almeida Vieira, A Mão Esquecida de Deus, romance histórico sobre a Inquisição, Dom Quixote».

Não há uma sem duas. Em 2006, quando publiquei Portugal: O Vermelho e o Negro, também Marcelo o apresentou com o título Portugal: O Vermelho e o Verde...

domingo, 1 de março de 2009

Entrevista à Notícias Magazine sobre A Mão Esquerda de Deus

É engenheiro biofísico, jornalista e escritor. Pedro Almeida Vieira deixou-se levar pela vida de uma sociedade dominada pelo Santo Ofício e vê chegar, amanhã, às livrarias, o seu terceiro romance histórico. Os factos aconteceram histórica e cronologicamente no século XVI, mas a ficção toma conta do personagem principal. É um falsificador que enganou a Igreja de Roma e de Lisboa, por amor, e ainda criou a Inquisição em Portugal. É assim «A Mão Esquerda de Deus».

Que Deus é este?

Ao longo da Historia da Igreja e das religiões, Deus surge como um ente caprichoso, muitas vezes rancoroso e que em certa medida tem o Homem como um servo. O personagem principal do livro, Alonso Perez de Saavedra, não pensa assim, e assume-se como um instrumento de Deus para mudar essa concepção.

Um enviado de Deus...

Sim, ele assume que tem uma missão divina de fazer o bem utilizando aquilo que para as concepções humanas está associado à maldade.

Que é a mentira...

A mentira, a burla, a falsificação. Muitas vezes associamos mentira à maldade e verdade à bondade. A própria Inquisição é hoje vista como uma página negra da história da Igreja em que a violência é feita para defender o bem, quando na verdade não era isso que sucedia. Saavedra surge como alguém que tem na falsidade, na mentira, na burla a única forma de fazer o bem.

Alonso Perez de Saavedra é um falsário andaluz que se faz passar por um núncio apostólico, em Lisboa. É o criador da Inquisição em Portugal. Onde é que começa a ficção e a realidade ou vice-versa. Até porque não se sabe se realmente este homem existiu...

Qualquer romance histórico é uma ficção por razões óbvias: não vivemos naquele período e os registos históricos não são factuais. A própria História, em muitos casos, é ficção. A História é feita pelos vencedores. Não há a dos vencidos. Agora há o outro lado dos acontecimentos. Naquela altura, não. A Historia era condicionada pelo poder.

Mas este romance baseia-se em factos históricos. Mesmo que o personagem não passe de uma fábula, o tempo e alguns dos actos relatados no seu romance aconteceram...

Sim, sobre os factos essenciais há um rigor histórico muito grande, mas sobre o falso núncio há uma ruptura com a História. O Alexandre Herculano, que escreveu a Historia da Inquisição em Portugal desde as negociações até à sua criação, ignora essa figura do falso núncio. No entanto, durante alguns séculos, esse falsário era um facto na origem da Inquisição em Portugal em livros de inquisidores, mais ou menos contemporâneos. Entre os séculos XVI e XVIII havia quem acreditasse na veracidade dessa origem da Inquisição em Portugal, incluindo Voltaire. No seu “Dicionário Filosófico”, escrito em 1764, Voltaire relata a história de Saavedra, do falso núncio, como estando na origem da Inquisição portuguesa. André Morellet, amigo de Voltaire, que fez uma tradução em francês do Manual dos Inquisidores, do inquisidor aragonês do século XIV, Nicolás Aymerich, também faz referência ao falsário Saavedra.

Ele decide ser um inquisidor por amor. Porquê?

Por questões de justiça e de tolerância, muito por aquilo que viveu durante a primeira década após a Conquista cristã de Granada, em 1492, em que houve tolerância religiosa. Mas também porque se apaixona por uma cristã-nova que acaba presa pela Inquisição. Pelas suas artes da falsificação, ele consegue-a resgatar das masmorras do Santo Ofício, mas pelo expediente que usa acaba por lhe perder o rasto. É numa procura ansiosa por Portugal, durante 10 anos, que se vai apercebendo dos desejos do rei D. João III em ter uma Inquisição selvática semelhante à espanhola, sobretudo depois do terramoto de 1531, que foi semelhante em grau de destruição ao de 1755. Parte da Igreja culpava os cristãos-novos por esse alegado castigo divino. Mas o Vaticano não aceitava as condições portuguesas e estava-se na iminência de surgir uma nova cisão na Igreja Católica, como a que sucedera, nessa altura, com Inglaterra, que deu origem ao anglicanismo. Então, Saavedra decide, num contexto especial, criar a Inquisição à sua imagem, de forma a conseguir dominá-la, evitando que se torne selvática como a espanhola. Através de um esquema elaborado ao pormenor, consegue ser reconhecido em Roma e em Lisboa. Durante um ano é um Inquisidor justo, razão que pela qual conseguiu atingir os seus fins, que ele considerava serem os fins desejados por Deus.

Mas no romance onde começa a fábula e surge a ficção do romancista?

O romance é uma reconstrução da vida de Saavedra, até porque não há elementos suficientes nas suas supostas autobiografias. Na fábula, era um simples burlão. No livro, dou-lhe um cariz humanista, ponho-o com princípios de justiça e tolerância religiosa, que quase não existiam naquela altura. Ele entrega-se em vez de ser apanhado. E aí está o interesse da história. Apesar de se saber logo no início que ele vai entregar-se, só no final do livro se entende todo o seu percurso e os motivos para um falsificador e burlão ter ousado tornar-se inquisidor e, depois de ser bem sucedido nos seus intentos, entregar-se voluntariamente.

Entrega-se porquê?

Por se ter sentido traído por Deus. O livro é também uma reflexão sobre a natureza humana e a nossa relação com Deus.

O próprio papa Paulo III quis depois conhecer este falsário...

Existem vários relatos pseudobiográficos, que vão sendo copiados ao longo dos anos, sobre este falso núncio. Num caso diz-se que lhe cortaram a mão direita; noutro que o contrataram para fazer falsificações; noutro ainda que esteve preso nas galés até ser libertado a pedido do próprio Papa. Mas a diversidade desses relatos, do destino desse falso núncio, varia muito ao longo dos tempos. Aliás, como sucedeu com a Bíblia. Está provado que a Bíblia foi tendo várias versões desde o inicio da era Cristã e que houve alterações um pouco à medida de quem copiava até haver uma formatação definitiva. Para além de haver uma relação entre historiadores e poder, temos de recordar que no século XVI apenas cerca de um por cento da população sabia ler e escrever e que essa pequena percentagem estava ligada à Igreja.

Conheceu este personagem enquanto estava a escrever o seu anterior romance, “O Profeta do Castigo Divino”. Porque é que decidiu escrever sobre este homem?

Sou muito céptico, como o próprio personagem. Num período em que se acreditava em bruxas a voar em vassouras ou em lobisomens, o personagem era uma pessoa muito incrédula. Tive uma espécie de chamamento para escrever este livro. Quando estava a pesquisar sobre o Padre Malagrida [última pessoa a ser sacrificada pela Inquisição portuguesa], protagonista d’O Profeta do Castigo Divino, consultei a obra de Morellet sobre a inquisição, que tinha um prefácio sobre a execução deste jesuíta pela Inquisição portuguesa e simultaneamente fazia referências ao falso núncio criador do Santo Ofício no século XVI. Eu desconhecia isso e quando fui consultar algumas obras à Biblioteca Nacional sobre este falso núncio fiquei estupefacto com a história.

O livro é apresentado ao leitor em cartas que descrevem, em cada dia, a vida de Saavedra. Essas cartas são dirigidas ao marquês de Villanueva de Barcarrota, a quem ele se entregará, que também lhe escreve, mas sem que o leitor conheça o seu conteúdo.

Escolhi este estilo, que tem algumas semelhanças com os outros dois meus romances. Em todos, o narrador assume uma atitude intimista com o leitor, contando-lhe uma história. Neste, o marquês de Villanueva de Barcarrota funciona como o leitor, que vai reagindo à medida que vai lendo cada carta. E Saavedra, embora dominando o seu relato e não admitindo interferências no modo como conta a sua história, procura elucidar alguns aspectos ou dúvidas suscitadas pelo seu interlocutor. Por vezes, chega a zangar-se e exasperar-se com o seu interlocutor. É uma espécie de jogo entre escritor e leitor.

A mão esquerda do falso núncio tem a particularidade de ser deficiente e ter dons...

O seu maior poder provém da sua mão esquerda, que aparentemente é disforme numa concepção humana, mas que tem dons especiais. A sua mão esquerda é uma espécie de alegoria. Só se fala do lado direito de Deus, que Cristo foi a mão direita de Deus. Por isso, pareceu-me interessante criar alguém com uma mão esquerda manipulada por Deus para, através de meios artificiosos, obrar o bem.

Neste seu romance há mentira, verdade, manipulação, tolerância, confissão. A história que conta, ou parte dela, é transportável para a actualidade?

As ambições dos homens de hoje são semelhantes às dos que viveram há séculos atrás. A sede de poder de agora e a luta pela forma com que se impõe a vontade são semelhantes. Hoje há regimes democráticos, mas há sempre sede de poder e de impor a vontade perante os outros. Nos dias de hoje, muitos políticos gostariam de não terem contestação ou deter o poder de mandar calar como acontecia antigamente.

Há um fascínio, da sua parte, em estudar a História dos séculos em que a igreja estava omnipresente na vida da sociedade. Que relação é que tem com Deus?

Tive uma formação católica, como a maior parte dos portugueses. Fui baptizado, fiz a primeira comunhão, frequentei a Igreja até entrar na faculdade e a partir daí desliguei-me por desinteresse. Curiosamente, sempre reflecti sobre a existência de Deus, como toda a gente, crentes ou não. Que tipo de sociedade humana é esta que se utiliza de um Ser, que à partida a criou, e que altera tanto os seus princípios e ensinamentos cristãos? Naquela altura, no século XVI, se Cristo viesse à terra não seria condenado pelos judeus, mas sim pelos próprios cristãos, num Auto de Fé. Acho que a haver uma prova para a não inexistência de Deus, a encontramos na existência da Inquisição. Não consigo conceber que Deus assistiu sentado no seu torno às violências realizadas pelos homens, em seu nome, e nada tivesse feito.

O Pedro é engenheiro biofísico, jornalista e escritor …

Optei pelas ciências porque não me interessava a parte da literatura. Há 20 anos nunca imaginaria estar a sequer a escrever um livro. Na altura em que estudava na Universidade de Évora, comecei a ter uma actividade cívica na Liga para a Protecção da Natureza. Em Lisboa, quando estagiei no Instituto Superior Técnico, entrei na Quercus, cheguei a ser dirigente nacional [1994-95] e fiz investigação no Instituto Superior de Agronomia.

Não chegou a exercer Engenharia Biofísica?

Quando estava na Quercus fiz alguns projectos e estudos, entre os quais um diagnóstico ambiental das lixeiras portuguesas. Foi um estudo pioneiro e como diagnóstico era superior a qualquer estudo que havia no Ministério do Ambiente. O jornalismo surge quando faço a transição para o associativismo ambiental. Escrevi trabalhos sobre ambiente, poder local e ordenamento do território para revistas e jornais.

E o romance histórico, como surge?

Eu só escrevo o meu primeiro romance histórico, «Nove Mil Passos» [2004], por via de ser engenheiro e jornalista. Muitas vezes há a noção de que existe um bloco estanque entre a ciência, o jornalismo e a literatura. Não há. E eu sou exemplo disso. Como engenheiro sempre quis saber como é que nasceu o Aqueduto das Águas Livres, um rio de pedra de 60 quilómetros de extensão, numa altura em que água vinha por gravidade desde as nascentes até Lisboa. E fiz uma reportagem quando o Aqueduto foi classificado Monumento Nacional, em 2002. Ao ler um livro histórico, apercebi-me da história fascinante do Aqueduto e pensei que dava um romance. E aí houve uma descoberta, até porque não li apenas os ensaios de historiadores contemporâneos. Fui ler livros escritos naquele período para perceber ambiências e o tipo de escrita daquela época. Lancei-me no desafio e acho que me dei bem. Escrever agora já é algo natural. É quase como uma droga dura: vicia, dá prazer e sofrimento.

Já está a trabalhar noutro livro também sobre uma figura histórica.

É uma biografia de Francisco Xavier Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal. Foi governador do Maranhão, logo a seguir ao Tratado de Madrid, durante nove anos. Tem uma intervenção no Brasil fantástica em termos de povoamento. Muitas das terras que têm nome de portugueses, no Maranhão, tem a ver com a acção dele. É Mendonça Furtado que acaba por transferir o ódio aos jesuítas, por aquilo que eles andavam a fazer no Brasil ao seu irmão. É ele que dá liberdade aos Índios, retira-os das aldeias jesuítas. E, quando regressa do Brasil, torna-se durante dez anos o braço direito do irmão, assume o cargo de secretário de estado adjunto do Rei, ou seja, de vice-primeiro-ministro. As próprias relações com o irmão são deliciosas. Estar a imaginar que dois jovens de 50 anos se comunicavam iniciando as cartas como «excelentíssimo irmão do meu coração» faz com que apeteça escrever uma obra sobre a vida desse homem.

Edição de 1 de Março de 2009 da revista Notícias Magazine (JN e DN). Entrevista conduzida por Elisabete Pato